Gente,
Alfredo falou sobre Psicanálise a um site (http://www2.uol.com.br/percurso/main/pcs33/33Debate.htm) muito interessante - aliás, recomendo o site!! - e eu postei para vocês se enriquecerem mais um pouco.
Que tipo de ciência é a psicanálise?
Alfredo Jerusalinsky: A
descoberta freudiana do inconsciente colocou em xeque a ilusão da
modernidade
de poder transformar todo saber em conhecimento. Embora nascida no berço
da
ciência, a psicanálise acabou demonstrando a impossibilidade de formular
qualquer enunciado capaz de capturar um real sem que nada reste fora da
redoma
da linguagem. Para tal demonstração a psicanálise não se apóia na
evidência da
vastidão sem abrangência possível do real – o que a colocaria fora da
ciência,
exposta às especulações místicas – mas na condição própria do sujeito
que
produz esse enunciado. Um sujeito tal cujo enunciado é a matéria mesma
que o
constitui, na medida em que sua própria existência depende desse
enunciado. Por
isso seu funcionamento não pode ser outra coisa que a lógica do discurso
que ao
mesmo tempo habita e do qual está, ele próprio, feito. Uma lógica
necessariamente paradoxal, já que é o sujeito mesmo quem produz a
verdade que
acredita descobrir.
Essa
descoberta tem duas grandes conseqüências no campo do saber. A primeira é
o
reconhecimento de que o corpo real dos humanos é regido por uma ordem
simbólica
que desdobra sobre ele efeitos imaginários; uma ordem que prevalece
sobre os
automatismos neurovegetativos. Isso muda a leitura de seus sofrimentos e
estabelece os princípios de uma nova clínica. A segunda é que, embora
não
constitua uma nova epistemologia (faltaria para isso ter a fé no método
que a
ciência contemporânea tem), produz uma nova episteme, ou seja, um novo
ponto de
partida para a abertura de caminhos do saber. Mais de cem anos de
prática
psicanalítica produziram o desdobramento dessas novas trilhas nos campos
da
antropologia, da filosofia, das ciências jurídicas, da medicina, da
psicologia,
da literatura, entre outros. Mas não só. Produziram também um certo
saldo de
conhecimentos emergidos de sua prática de leitura dos enunciados, desde o
vértice da enunciação.
Essa
perspectiva exige do operador situar o referente que permita o
deciframento. Isso
introduz a condição de uma decisão e uma escolha que, embora seja um
momento
comum a todas as ciências, na psicanálise não tem a contrapartida, que
tem em
todas elas, da configuração dos enunciados como universais.
O
ordenamento acadêmico se rege por esses universais que permitem supor os
enunciados que se transmitem como certezas. É partindo do mesmo suposto
que a
regulamentação de profissões fabrica a idéia de uma garantia de saber
(como se
tal coisa pudesse se constituir simplesmente por obra de uma letra
jurídica).
As dificuldades da conjugação da prática analítica com a prática
universitária,
tanto como sua resistência a ser arregimentada por qualquer aparelho
estatal,
residem em tal contraposição de princípios e postulados. Mas sua vocação
pelas
rebarbas dos enunciados teve e tem conseqüências também para formulação
de sua
própria teoria. De fato a formação – sendo ela sempre a do inconsciente –
conduz o analista a tomar sempre o que excede o enunciado do outro, com o
qual
ele não faz mais do que cumprir com seu papel de analista. Aquilo que em
qualquer outra prática teórica constituiria uma posição gratuitamente
implicante, aproveitando uma série de banalidades para questionar o
trabalho do
colega, no caso da psicanálise constitui a trilha mais apropriada, a via
regia
da elaboração teórica. A multiplicidade de enfoques, em lugar de
desmentir,
contribuir para confirmar o fundamento de sua prática.
O
risco do ecletismo se faz imediatamente presente diante de uma atividade
científica assim delineada, facilmente o conjunto das proposições
derivadas de
tal forma de trabalhar nas bordas do saber humano pode tomar a aparência
de uma
torre de Babel. Faz-se então necessário estabelecer a condição da prova
porque
toda proposição deve passar. O rigor, neste caso, consiste em exigir a
prova da
interpretação. Isso quer disser que qualquer formulação neste âmbito
corre o
risco (ou talvez devamos dizer “a sorte”) de ser, ela mesma,
interpretada. Essa
exigência, por sinal, não coloca as coisas no caminho de uma
coexistência das
diferentes versões, já que toda interpretação – para sê-lo – coloca o
sujeito
face ao limite de seu saber. Evidentemente, uma posição que ninguém
gosta de
ocupar, e menos ainda quando se trata de formulações teóricas. Mas, na
medida
em que a psicanálise pretende se manter dentro do terreno da ciência
(dada a
condição interpretativa imposta pela sua própria descoberta) terá de
sacrificar
a paz para se aproximar da verdade. De outro modo a psicanálise não
seria outra
coisa que a prática de uma opinião.
beijos,
até mais!!!!!!!
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